O francês que descobriu a Carmenère no Chile
Vinhos
É muito provável que o nome Jean-Michel Boursiquot não tenha tanta popularidade no Brasil. Porém, não muito longe daqui, uma de suas descobertas mudou o rumo da vitivinicultura de um país. O cientista que identifica e classifica as variedades de videira, conhecido também por ampelógrafo, foi o responsável por reconhecer a Carmenère, em meio a videiras de Merlot, casta que, até então, era dada como uma das variedades que tinha desaparecido no mundo. Boursiquot esteve recentemente no Brasil para troca de experiências junto aos pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho e conversou com a Bon Vivant sobre esta descoberta.
O fato aconteceu em 25 de novembro 1994, no Chile. Boursiquot participava de um evento técnico no país andino. Em uma visita aos vinhedos da Viña Carmen, as folhas avermelhadas de parte das videiras chamaram a sua atenção. Até então produzida como ‘Merlot chileno’, a Carmenère acabava tendo o mesmo tratamento que a chamada ‘Merlot francês’, já que era considerada como um clone da Merlot. Com o reconhecimento da variedade, pesquisas e técnicas de produção específicas transformaram, em poucos anos, a Carmenère na variedade emblemática do Chile e impulsionaram o país ao topo dos países vinícolas do Novo Mundo. De quebra, ainda reabilitaram a casta, famosa e muito plantada na região de Bordeaux no século 19. Chegou a ser considerada, ao lado da Cabernet Franc, a responsável por tornar famosos os vinhos do Médoc.
Por outro lado, a dificuldade de cultivo por ser uma variedade tardia, sendo uma das últimas a alcançar a maturação de seus frutos, fez com que as vinícolas chilenas encontrassem sérias dificuldades para elaborar vinhos de qualidade, com notas mais elegantes. Embora a França e a Itália não produzissem mais a variedade, os dois países ainda possuíam amostras da variedade em coleções. “Hoje você pode encontrar produção de Carmenère, em poucas quantidades, na França e no Norte do Itália. Mas no Chile é que a variedade acabou se concentrando, inclusive com maior diversidade de clones”, salienta Boursiquot.
Hoje ocupando a direção-cientifica e técnica do Departamento de Material Vegetal do Instituto Francês da Uva e do Vinho, Boursiquot diz que o Chile conta com uma área aproximada de oito mil hectares. “A Carmenére não é uma casta fácil de cultivar e de manejar, pois precisa de um terroir muito especial para se desenvolver de maneira adequada. Ela tem uma grande importância para o Chile, tanto que sua área cultivada é maior do que qualquer outro país no mundo”.
Como as áreas para cultivo de Carmenère fora do Chile são inexpressivas, os varietais chilenos assumiram um caráter de grande representatividade. “A variedade ainda tem um grande potencial de desenvolvimento no Chile”, acredita o francês. Mas se hoje a casta é um ícone chileno, foi justamente porque souberam transformar limão em limonada, ou neste caso, uva em grandes vinhos.
“Tanto os pesquisadores como a indústria do vinho tiveram um senso de oportunidade muito bom. Logo quando perceberam que aquela variedade que estavam produzindo como Merlot era Carmenère ficaram um pouco desapontados, pois havia todo um trabalho de pesquisa e marketing feito sobre a Merlot. Criaram, a partir disso, uma oportunidade, pois os bons vinhos elaborados até então tinham grande competição internacional, pois apostavam em Cabernet Sauvignon e Merlot. Conseguiram criar um nicho próprio”.
Em sua primeira visita ao Brasil, o ampelógrafo diz que não tem uma opinião sobre qual deveria ser a casta escolhida para ser emblemática do país. “É difícil responder se poderia ser a Merlot ou Riesling Itálico. A definição de uma cultivar emblemática vai levar em consideração uma série de fatores, como conhecimento dos diferentes terroirs e unir a todo conhecimento científico e apelo comercial”, comentou.
Por: Cassius André Fanti